*CONTEXTO HISTÓRICO
O livro Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves
de Magalhães (1811-1882), publicado em 1836, é tido como marco fundador do
Romantismo no Brasil. Em torno e sob liderança de Magalhães, um grupo de homens
públicos e letrados articulou as primeiras manifestações do Romantismo no
Brasil, num momento caracterizado pela tentativa de definição de uma identidade
nacional.
O fervor patriótico do grupo, integrado por Martins Pena (1815-1848),
Francisco Adolfo Varnhagen (1816-1878) e João Manuel Pereira da Silva
(1817-1895), entre outros, manifestou-se inicialmente por meio da imprensa. O
primeiro veículo de divulgação consciente do ideário romântico foi a revista
Niterói, que teve entre seus colaboradores Gonçalves de Magalhães,
Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879), Francisco Sales Torres-Homem
(1812-1876) e C. M. de Azeredo Coutinho. No período, destaca-se também a revista
Guanabara, dirigida por Porto-Alegre, Gonçalves
Dias (1823-1864) e Joaquim
Manuel de Macedo (1820-1882).
*CARACTERÍSTICAS
A primeira fase do Romantismo brasileiro, compreendida entre os anos de 1836 e
1852, caracterizou-se pela busca de definição de uma identidade nacional.
Reunidos em torno de Gonçalves de Magalhães, cuja obra Suspiros Poéticos e
Saudades, de 1836, é tida como marco fundador do movimento no Brasil, um
grupo de homens públicos e letrados articulou a formação de um clima de opinião
favorável à autonomia cultural do país. O processo de emancipação desencadeado
daí em diante deve ser entendido, no plano cultural, como o equivalente da
independência política, conquistada em 1822.
O fervor patriótico desse grupo, integrado por Martins Pena, Francisco Adolfo
de Varnhagen e João Manuel Pereira da Silva, entre diversos outros,
manifestou-se inicialmente por meio da imprensa, que desde a chegada de D. João
VI, em 1808, tomava impulso no país. Nas três primeiras décadas do século XIX,
foram fundadas dezenas de jornais e revistas, a maioria de duração efêmera. Mas
a proliferação desses periódicos, geralmente dedicados à política, literatura e
ciências, exprime a urgência e o anseio de expressar e fazer circular
publicamente o conhecimento e a opinião.
A revista Niterói, fundada em 1836 por Gonçalves de Magalhães,
Manuel de Araújo Porto-Alegre, Francisco Sales Torres-Homem e Azeredo Coutinho,
participa desse contexto de florescimento da imprensa. A publicação, também de
cunho científico, literário e artístico, foi fundada em Paris e tinha como
epígrafe a frase "Tudo pelo Brasil e para o Brasil", e foi a primeira a promover
a difusão consciente do Romantismo no país. O programa de reforma e
nacionalização da literatura brasileira, veiculado por artigos e estudos
publicados na revista, tinha origem nas idéias do escritor português Almeida
Garrett e do historiador francês Ferdinand
Denis (1798 - 1890), pioneiro no estudo da literatura brasileira.
Dois anos mais tarde, em 1838, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) representaria outro passo importante para a consolidação do
movimento no Brasil. O Instituto tinha como objetivo a produção de estudos
sistemáticos de aspectos variados da realidade nacional e congregou as
principais figuras da intelectualidade brasileira da época, entre as quais J. M.
Pereira da Silva e Joaquim Manuel de Macedo, que foi sócio-correspondente do
IHGB. Parte das pesquisas realizadas pelos integrantes do grupo era publicada na
revista da instituição, que foi de extrema importância para a divulgação do
ideário Romântico no país.
Outras duas publicações contribuem de modo significativo para a sedimentação
do movimento nessa primeira fase. São elas o jornal Minerva Brasiliense
e a revista Guanabara. O primeiro durou dois anos - de 1843 a 1845 - e
merece destaque pelos nomes que nele atuaram: tinha entre seus colaboradores
Gonçalves de Magalhães, Odorico Mendes, Santiago Nunes Ribeiro e Teixeira
e Sousa (1812-1861). Foi esse jornal que deu origem à revista
Guanabara, editada entre os anos de 1850 e 1855. Dirigida por
Porto-Alegre, Gonçalves Dias e Joaquim Manuel de Macedo, a revista exemplifica a
organicidade do Romantismo brasileiro nesse primeiro momento, explicitando em
seu artigo de apresentação o vínculo direto com as publicações que a
antecederam.
No campo da prosa de ficção, as primeiras experiências românticas no Brasil
estão bastante calcadas no romance europeu. A partir da década de 1830,
traduções da obra de autores como Walter Scott, Chateaubriand e Balzac começam a
ser publicadas nos jornais num formato que teria extrema popularidade no século
XIX: o folhetim. A tentativa de se criar um "romance nacional" tem início nessa
época. O Filho do Pescador (1843), de Teixeira e Sousa, é o primeiro
passo nessa direção. Já no ano seguinte aparece A Moreninha, de Joaquim
Manuel de Macedo. Para o crítico e historiador Antonio Soares Amora, esses
livros inauguram duas tendências importantes da ficção romântica: a histórica e
a urbana.
*AUTORES
Entre os autores da Primeira Geração do Romantismo, o mais empenhado em
articular a reforma romântica e nacionalista na literatura foi Gonçalves de
Magalhães, que se dedicou à poesia, ao teatro, à ficção, à história e à
elucubração filosófica. No campo literário, sua obra mais importante é Suspiros
Poéticos e Saudades, lembrada como marco inaugural do Romantismo. Mas a
importância histórica de Magalhães deve-se principalmente à figura
centralizadora, que estimulou e coordenou a reforma romântica.
Indicativos de seu papel de reformulador são os ensaios Discurso Sobre a
História da Literatura do Brasil e Filosofia da Religião, ambos
publicados na revista Niterói em 1836. No primeiro texto, Magalhães
argumenta que o Brasil possui uma literatura ligada à evolução histórica do país
e que, portanto, apresenta objetos dignos de inspirar escritores. No segundo,
afirma que a religião é um dos elementos básicos da sociabilidade e deve, em
conseqüência, ser tema de produções artísticas. O intuito era mostrar a
literatura como espírito da evolução histórica do país, e o mérito do texto está
em postular a necessidade de se estudar os escritores brasileiros do passado
para definir a continuidade com o presente. A religião seria o liame capaz de
estabelecer a conexão com os antecessores.
Pereira da Silva e Santiago Nunes Ribeiro também produziram textos de
importância para a consolidação do movimento. No segundo número da mesma
Niterói, Silva publicou Estudos Sobre a Literatura. Nesse
texto, ele retoma os temas de Magalhães e argumenta que o Brasil tinha
necessidade de manifestar uma literatura própria, o que requer rejeição da
imitação clássica e atenção às inspirações locais. Foi ele o primeiro a apontar
o Romantismo como guia para se levar esse projeto adiante. Já Nunes Ribeiro é
autor do ensaio Da Nacionalidade da Literatura Brasileira. Publicado no
jornal Minerva Brasiliense, o texto defende a tese de que a literatura
nacional existe desde os primeiros autores do período colonial, de muita
consequência para futuras elaborações teóricas sobre a independência da
literatura brasileira em relação à Europa.
Autor de A Moreninha (1844), O Moço Louro (1845) e Os
Dois Amores (1848), entre muitos outros, Joaquim Manuel de Macedo é o
prosador de maior destaque nesta fase inicial do Romantismo. Até porque José de
Alencar, em todos aspectos o nome mais importante da prosa romântica brasileira,
ainda não tinha começado a carreira literária. Também autor de poemas e de doze
peças de teatro, Macedo atuou como cronista no Jornal do Commercio,
onde mantinha a coluna A Semana. Como ficcionista, foi o primeiro autor a
transpor os tipos, as cenas, a vida da sociedade do Rio de Janeiro para o gênero
romance - o que era novidade no país.
Macedo obteve grande popularidade ao abordar cenário e personagens familiares
para os leitores cariocas, ao descrevê-los de maneira ligeira, sentimental e
novelesca, tal como prescrevia o modelo folhetinesco francês. "Realidade, mas só
nos dados iniciais; sonho, mas de rédea curta; incoerência, à vontade;
verossimilhança, ocasional; linguagem, familiar e espraiada: eis a estética dos
seus romances", define Antonio
Candido (1918) no livro Formação da Literatura Brasileira.
Foi à poesia, porém, que coube o papel de consolidação do Romantismo no país.
Mais especificamente a Gonçalves Dias, o poeta mais representativo da primeira
fase do movimento. Em poemas de temática indianista, como I- Juca
Pirama, ou patriótica, como Canção do Exílio, ele transformou em
experiência o que antes era apenas tema. A transformação fica evidente ao se
comparar O Dia 7 de Setembro, de Gonçalves de Magalhães, com a
Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. O assunto comum - o amor e a
saudade da pátria - é abordado em tom protocolar e oficial no poema de
Magalhães, ao passo que Gonçalves Dias harmoniza rigor formal e sentimento num
poema ainda hoje capaz de fazer vibrar as cordas do amor pelo país natal.
Graças à complexidade dos recursos formais empregados por Gonçalves Dias,
saudade, melancolia, natureza, índio, enfim, toda a galeria temática do
Romantismo ganha significado para além da tentativa de se fazer um mero registro
da realidade do país.